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terça-feira, 7 de junho de 2011

Fagote

Fagote
Uma pessoa que vá assistir a uma orquestra sinfônica se depara com um grande número de instrumentos diferentes entre si. Mesmo o freqüentador mais assíduo tem, por vezes, dificuldades em identificar alguns deles, devido à diversidade de tamanhos, formas e nuances... Um desses instrumentos que chama a atenção (fica muitas vezes escondido no meio da orquestra) é o FAGOTE: um instrumento de forma um tanto exótica, na maioria das vezes vermelho, parecendo-se com um enorme tubo revestido de chaves prateadas...
Refazer a “história genealógica” do fagote é voltar à época do Renascimento e se perder um pouco em documentos imprecisos e desfeitos pela história... À essa época não havia uma música instrumental propriamente dita, mas tão somente instrumentos que, com poucas exceções (fanfarras militares, música de dança e algum folclore) repetiam aquilo que já era cantado pela voz humana. O canto a quatro vozes era então a regra e, para que os instrumentos pudessem atender à tessitura de cada uma das vozes humanas (soprano, contralto, tenor, baixo), eles eram construídos em diferentes tamanhos, constituindo-se assim em “famílias de instrumentos”: instrumentos menores tinham som mais agudo, os maiores, mais grave. Existiam, entre outras, famílias de violas, de flautas, de cornamusas... Até aqui a história do fagote se confunde em parte com a de outros instrumentos.
É bem provável que o fagote tenha tido sua origem em um instrumento grave de uma dessas famílias de instrumentos de palhetas duplas: as bombardas. A bombarda-baixo era de um tamanho quase descomunal, necessitando por vezes de uma pessoa que a segurasse para que outra a pudesse tocar. Como a criatividade humana não conhece fronteiras, o problema logo se resolveu... Assim, a solução encontrada foi a de dobrar ao meio um instrumento que tinha mais de dois metros de comprimento! Este procedimento reduziu por certo suas dimensões, mas teve também como conseqüência uma alteração da sonoridade, e a bombarda, inicialmente de som áspero e até agressivo, passou a ter um som mais suave, mais “dolce”, a tal ponto que tomou daí o seu novo nome: DULCIANA.
Com o acréscimo de algumas chaves necessárias para que os dedos pudessem operar os orifícios mais distantes e algumas alterações de perfuração e dimensões, este passou a ser o fagote barroco. Existe uma certa crença de que o nome fagote venha do italiano “il fagotto”, o que significa um amontoado de coisas, como por exemplo, um feixe de lenha, numa alusão ao formato que o instrumento assumiu com sua dobra ao meio. Em francês o fagote atende pelo nome de basson (uma alusão ao seu “som de baixo”?). A nomenclatura inglesa é bassoon.
A passagem para o século XIX, uma época acentuadamente progressista, baseando suas pesquisas na acústica, ressaltou a preocupação pela afinação e sonoridade do instrumento, fazendo o fagote passar por uma série de inovações e melhoramentos. É a partir de então que ficam mais diferenciados os sistemas hoje conhecidos como alemão e francês.
O sistema francês se firmou através de construtores como Savary e Triébert, que seguiam uma linha de construção mais conservadora. Atualmente o fagote sistema francês é tido como um instrumento que executa com mais facilidade passagens no agudo e tem como característica um som mais ou menos anasalado. Buffet-Crampon é o nome que, em nossos dias, se tornou praticamente sinônimo do fagote construído no sistema francês.
Na Alemanha, Carl Almenräder (1786-1843), com sua criatividade e muitas inovações, é de fundamental importância no desenvolvimento do fagote sistema alemão. Aliando-se a Johann Adam Heckel (1812-1877), um jovem e talentoso construtor de instrumentos, Carl desenvolveu o fagote, dotando-o de um novo mecanismo, alterando-lhe também as dimensões de perfuração. Esse novo instrumento é a base do fagote moderno alemão, que atualmente também é conhecido como “sistema Heckel”.
Para o ouvinte a diferença de sistemas se faz sentir sobretudo através da sonoridade e do aspecto visual do instrumento; para o fagotista, além destas, existe a grande diferença do mecanismo das chaves, que faz com que o dedilhado usado em um instrumento não seja aplicável a outro.
Independentemente do fagote ser baseado no sistema francês ou alemão, ele se compõe de uma parte construída de metal (bocal) e de quatro partes construídas de madeira (asa, culatra, baixo e campana), que se encaixam uma na outra e que, quando montadas, perfazem um tubo cônico de 235cm, tendo um diâmetro inicial de 4mm. e finalizando em 4 cm.
No tocante às partes de madeira, quando o sistema é alemão, o fagote é quase sempre construído em ácer (em alemão: Ahorn; em inglês: maple wood); quando seu sistema é francês, a madeira usada é tradicionalmente o jacarandá. Como o ácer é uma madeira muito clara, quase branca, o fagote é normalmente tingido com alguma coloração que lembre a nobreza da cor do mogno. O jacarandá, por ser já de natureza mais escuro, não recebe corante e tende automaticamente ao marrom. Mas não é a cor que importa; ela é um acessório meramente estético...
O fagote é o baixo do grupo das madeiras (flauta, oboé, clarineta, fagote) e, dentre esses instrumentos, é aquele que tem a mais ampla tessitura. São três oitavas e meia, abrangendo do sib –1 até o mi 4 (tomando-se como base o dó central = dó 3). Atualmente instrumentos mais apurados, instrumentistas mais ousados e uma literatura mais exigente estão fazendo extrapolar essa tessitura, forçando o fagotista a tocar, em certos casos, até o sol 4. O som do fagote é produzido, tal como na bombarda renascentista, por uma palheta dupla aplicada a um bocal em forma de “S” e feita vibrar pela boca do instrumentista através do sopro.
As exigências de sonoridade da orquestra moderna e o desenvolvimento dos instrumentos fazem com que cada um dos instrumentos das madeiras tenha um ou mais “parentes” próximos: flauta - flautim; oboé - corne inglês; clarineta - clarone. No caso do fagote o parente próximo é o contrafagote, que soa uma oitava abaixo do fagote.
O fagote é de construção bastante complexa, sobretudo em função da dobra do instrumento, onde, em uma só peça, na chamada culatra, existem dois furos: um descendente e outro ascendente unidos por uma válvula em forma de “U”. Por isso, contam-se quase que literalmente nos dedos os fabricantes de fagote pelo mundo afora, estando os principais representantes na Alemanha, França, Estados Unidos e Japão.
O Brasil está modesta mas orgulhosamente representado neste seleto rol de fabricantes com o autor deste pequeno histórico do fagote, que, há cerca de 10 de anos, se aventura com sucesso nesse campo, usando para isso madeiras brasileiras.
Texto de Hary Schweiser – único construtor brasileiro deste instrumento.

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